1. Como os estudos de restrição calórica se desenvolveram
A primeira publicação científica que mostra a relação entre jejum ou restrição calórica e longevidade data de 1935.
Por volta desse período, a pesquisa sobre nutrição tinha sua principal motivação no fato de que a desnutrição era um grave problema de saúde pública. A mortalidade infantil alcançava taxas muito altas e a expectativa de vida era de cerca de 53 anos.
Estudos realizados em roedores sobre como a nutrição influencia o crescimento e a saúde mostraram que a desnutrição ocasionada pela redução dos alimentos está diretamente relacionada ao retardo no crescimento, taxas mais elevadas de doenças e menor tempo de vida, imitando a situação de grande parte da humanidade na época. Deste modo, a conclusão foi de que a restrição de alimentos pode resultar em menor expectativa de vida devido às alterações nutricionais que causam más condições de saúde, neste caso, a desnutrição.
McCay, Crowell e Maynard, autores deste artigo, entenderam que se você quiser estudar a relação entre a taxa de crescimento, a saúde e expectativa de vida, você tem que limitar apenas os fatores que determinam o crescimento, ou seja, as calorias. No entanto, ainda que haja redução calórica, a dieta deve permitir que o animal mantenha a boa saúde a fim de atingir a velhice. O resultado do experimento demonstrou que a redução de calorias retardou o crescimento durante desenvolvimento, com redução no tamanho final do animal, mas prolongou consideravelmente a vida destes animais.
Pode-se dizer que este artigo levou à conclusão de que a extensão do tempo de vida por restrição calórica foi resultado de um atraso no crescimento e desenvolvimento. No mesmo jornal, McDonald e Ramsey publicaram em 2010 uma visão histórica agradável como uma homenagem ao primeiro papel tratando da restrição calórica.
Neste levantamento histórico dos estudos de restrição calórica, observou-se que a técnica e a prevenção do sobrepeso eram capazes de prevenir o câncer. Entre os anos de 1946 e 1955, diferentes dietas e estratégias de alimentação foram examinadas, levando à conclusão de que o jejum intermitente é tão eficaz quanto a restrição calórica crônica. Em seguida, há um período em que os estudos passam a ser padronizados e a longevidade aparece como foco de pesquisa. Entre 1976 e 1985, foi demonstrado que a restrição calórica iniciada na vida adulta também tem efeitos benéficos para a saúde, desvinculando a questão do desenvolvimento e crescimento precoce.
Desde então, a restrição calórica é usada como modelo para avaliar padrões de envelhecimento e doenças relacionadas à idade. Na sequência da linha tempo, segue-se um período de extensos estudos sobre os efeitos da restrição calórica em roedores e macacos. Somente a partir de 1996 é que foram identificadas as primeiras vias moleculares dentro do tema abordado, muitas vezes fazendo uso de organismos simples como minhocas e moscas.
São inúmeros os estudos com resultados positivos da avaliação da restrição calórica em benefício da saúde humana, no entanto, existem diversos estudos em que os resultados não puderam ser comprovados. Tratamos estes estudo como positivos e negativos, respectivamente.
Um estudo com 41 ratos diferentes geneticamente demonstrou que 40% dos animais avaliados foram beneficiados com a restrição calórica enquanto os outros 60% não, mostrando que o perfil genético pode ser determinante para o resultado da restrição calórica. A partir de estudos desse tipo, podemos concluir que, embora a restrição calórica melhore a saúde e a expectativa de vida em muitas espécies e estudos, o que estamos estudando não são apenas os efeitos da restrição calórica, mas também as diferenças que existem nos diferentes tipos de dietas e perfis genéticos.
Assim como resultados positivos e negativos foram encontrados nos estudos envolvendo roedores, o mesmo acontece nos estudos realizados em primatas não humanos. O que se observa na comparação de estudos positivos e negativos é a diferença que está principalmente na composição alimentar e regimes de alimentação utilizados nestas pesquisas. Alguns dados interessantes surgem da análise da qualidade dos alimentos utilizados, como a relação existente entre as quantidades superiores e não saudáveis de gordura e sacarose encontradas nos estudos de resultados positivos.
2. As bases moleculares da restrição calórica
A compreensão da base molecular dos efeitos fisiológicos observados na restrição calórica pode nos fornecer novas ideias sobre como alcançar o envelhecimento saudável e combater diversos tipos de doenças que acometem o ser humano.
A restrição calórica resulta em alterações nos níveis e na atividade de fatores biológicos que, por sua vez, medeiam mudanças nos fatores sistêmicos que levam a alterações metabólicas e assim por diante. Dessa forma, o organismo se adapta às mudanças que realizamos na nossa alimentação e disponibilidade de nutrientes. Obviamente, para termos uma ideia real do mecanismo molecular envolvido na restrição calórica e longevidade, a análise é realizada na mediação dos efeitos positivos.
O principal regulador destes efeitos positivos da restrição calórica é o mTORC1, um grande complexo de mTOR e vários cofatores, que podem ser farmacologicamente inibidos pela droga Rapamicina.
A rapamicina foi descoberta acidentalmente nos anos 1970, na Ilha de Páscoa, ao verificar-se que evitava casos de tétano em quem andava descalço, apesar das perfurações nos pés — seu nome deriva da denominação aborígine do território chileno, Rapa Nui. Constatou-se, em camundongos, um aumento de até 38% na expectativa de vida, com o uso da Rapamicina.
Em termos gerais e de forma bastante simplificada, a estimulação contínua de mTORC1 por uma dieta com alto teor calórico resulta em ratos obesos e pouco saudáveis e todas as formas de inibição da via mTORC1, seja por restrição calórica, uso da rapamicina, ou por mutações na via que reduzem a sinalização de mTOR, resultam num fenótipo saudável.
O mTORC1 é uma espécie de centro de controle que integra os sinais recebidos pelos nutrientes e energia com a sinalização de fatores de crescimento. Como resultado, há o estimulo da síntese proteica, inibição da autofagia, e etc. Após diversas análises acerca da atividade de mTORC1, soube-se que este complexo é extremamente regulado, variando sua ação de acordo com sinais específicos de atividade e inatividade, através do estímulo dado por cofatores e hormônios, disponibilidade de aminoácidos e até disponibilidade de oxigênio. Mas mTORC1 também pode ser estimulado por oncogenes em células cancerosas para estimular o crescimento e proliferação das células de tumor.
3. A composição da dieta importa
Na sequência das análises envolvendo a restrição calórica e o envelhecimento, o foco é voltado à composição nutricional das dietas utilizadas nos estudos. Até um certo momento, acreditava-se que a redução calórica de, em média, até 30% na quantidade diária de alimentos, de 1 a 3 vezes na semana seria o responsável pela prolongação da vida dos animais. Atualmente, as evidências crescentes apontam para o fato de que seja mais provável que o equilíbrio de macronutrientes, em particular o equilíbrio entre proteínas e carboidratos, o principal influenciador da saúde e a duração da vida em camundongos.
A revista Cell Metabolism publicou um artigo de Samantha Solon-Biet et al. sobre a questão dos efeitos da dieta sobre a saúde e a longevidade. Em um estudo de coorte, os pesquisadores utilizaram uma estrutura geométrica (método de modelagem nutricional), para analisar a saúde e o tempo de vida de 25 camundongos em 25 dietas diferentes. Estas dietas eram diferentes em relação às quantidades de proteínas (5% a 60%), carboidratos (15% a 75%) e teor de gordura (16% a 75%), bem como havia variação na densidade energética.
Ao final do estudo, foi demonstrado que a vida média de ratos em dietas ricas em carboidratos e baixo teor de proteína aumentou e curiosamente, o tempo de vida não foi influenciado pelo consumo total de calorias. Em face deste resultado, foram avaliadas as condições moleculares dos animais estudados, permitindo a observação de que o aumento da ingestão de proteínas causou a ativação de mTORC1 no fígado, com consequente redução no tempo de vida do animal, enquanto aqueles mantidos em dieta com baixa proteína apresentaram baixa ativação do mTORC1 e prolongamento da vida.
Ainda que os resultados destes estudos sejam bastante interessantes, não é certo de que o mesmo ocorra com seres humanos e atualmente há um amplo aumento no consumo de dietas ricas proteína, com finalidade de perda peso e melhora da saúde em geral.
Ainda na revista Cell Metabolism, o estudo de Morgan Levine et al. foi publicado abordando esta questão que relaciona a ingestão proteica com a mortalidade. Este curioso estudo foi realizado em uma população humana e incluiu mais de seis mil adultos com idades entre 50 anos ou mais. Os dados de ingestão de nutrientes foram obtidos através de relatórios de 24 horas, para todos os indivíduos participantes. Em média, os indivíduos consumiram cerca de 1800 calorias por dia. Dependendo da quantidade de proteínas ingeridas, foram criados três grupos: grupo com alto teor protéico (20% ou mais de calorias obtidas a partir de proteína), grupo proteico moderado (10% a 19%) e por fim, um grupo de baixo consumo de proteína (<10% de calorias provenientes de proteínas). As informações sobre a mortalidade, bem como a causa da morte, foram disponibilizadas para o estudo.
Os resultados deste estudo mostraram que, entre os indivíduos com idade igual ou superior a 50 anos, o nível de ingestão proteica está associado ao aumento da mortalidade por diabetes. No entanto, o nível de ingestão de proteínas não foi associado com as diferenças em todas as causas, como câncer e mortalidade por doenças cardiovasculares. Ainda que o estudo seja inconclusivo, pois existem outros fatores a serem analisados como os relacionados às causas de mortes, foi encontrada uma interação global de idade para a associação entre o consumo de proteínas e a mortalidade. Dietas de baixa proteína parecem ser benéficas durante a meia-idade e curiosamente, o efeito da ingestão de proteína reverte em idades posteriores. Portanto, após a idade de 65 anos, pode ser importante adotar um aumento gradual na ingestão de proteínas.
Ainda em relação à idade, tem sido demonstrado que uma dieta composta pela maioria dos alimentos provenientes de nutrientes de origem vegetal é benéfica para todos os grupos etários.
4. Seres humanos no foco da atenção
Os organismos modelo são inestimavelmente úteis para estudarmos o envelhecimento. Mas, claro, nosso objetivo final é entender os mecanismos que contribuem para o envelhecimento em seres humanos. Existem várias abordagens para estudar diferentes fenótipos em seres humanos. Uma delas é estudar os extremos. No caso da pesquisa do envelhecimento, poderíamos pensar em um grupo de indivíduos que envelhecem a um ritmo mais rápido do que a população média e um grupo de indivíduos que demonstram atraso no envelhecimento.
O primeiro grupo inclui pacientes com as chamadas síndromes progeroides. Estas são doenças associadas com o envelhecimento prematuro em seres humanos.
As síndromes progeroides, ou progeria, incluem várias síndromes. A síndrome de Hutchinson-Gilford e a síndrome de Werner são duas das doenças progeroides humanas mais bem caracterizadas, com traços clínicos imitando o envelhecimento fisiológico em idade precoce, sendo a primeira denominada progeria infantil e a segunda como progeria da idade adulta. Estas síndromes têm sido objeto de imenso interesse, uma vez que recapitulam muitos dos fenótipos observados no envelhecimento fisiológico. Elas não só fornecem “sistemas modelo” para estudos dos processos de envelhecimento normal, mas também nos dão informações valiosas sobre os mecanismos subjacentes à senescência.
No outro extremo, encontramos um grupo de pessoas a quem chamamos de centenários: pessoas que atingem e até ultrapassam os 100 anos de idade. Trata-se de um grupo oposto com um aumento de vida em relação à população em geral. Podemos considerar os centenários como uma cauda de sobrevivência da população, pois eles escaparam da mortalidade infantil precoce e resultados fatais de doenças complexas. Centenários podem ser estudados para avaliação das influências ambientais sobre a longevidade, bem como guardam segredos de possíveis mecanismos genéticos subjacentes.
Um dos genes mais estudados em relação à longevidade é o FOXO3, um importante regulador da homeostase no organismo, capaz de integrar múltiplas vias de sinalização que são sensíveis às mudanças ambientais. Além disso, o FOXO3 pode neutralizar os efeitos adversos do estresse oxidativo, estresse metabólico e da privação de fator de crescimento. Não é por acaso que os polimorfismos em FOXO3 estão associados à extrema longevidade humana.
O gene FOXO3 impacta tanto a apoptose, que é a morte celular, quanto o risco de câncer. A apoptose é crucial porque é uma maneira pela qual o corpo se livra de células danificadas, infectadas ou com danos no DNA. E não ter câncer é uma excelente forma de viver mais. Mas afinal, o que o FOXO3 tem a ver com a restrição calórica? A resposta é tudo!
Além de combater o estresse oxidativo, o gene FOXO3 também está envolvido na detecção da disponibilidade de nutrientes e na regulação do IGF1. Desta forma, o FOXO3 é ativado com o jejum através da diminuição do IGF1, havendo novamente a redução da atividade de mTOR. A ativação do FOXO3 ocorre por meio do aumento de corpos cetônicos no organismo e os corpos cetônicos são produtos da quebra do tecido adiposo armazenado no corpo.
5. Por quê as pessoas estão usando metformina para aumentar longevidade?
No topo da lista de possibilidades de medicamentos antienvelhecimento está a combinação de rapamicina e metformina, um medicamento para diabetes. Ambas as drogas inibem o mTOR, até certo ponto, e ambas são benéficas para doenças cardiovasculares e possuem atividade antienvelhecimento. A metformina funciona como um medicamento para diabetes, aumentando a sensibilidade à insulina e diminuindo a produção de glicose no fígado.
Então, por que os médicos não prescrevem metformina e rapamicina para todos à partir de uma certa idade? Atualmente, avalia-se o risco de efeitos colaterais, além de questões sobre segurança e eficácia das drogas a longo prazo. Diversos estudos estão em andamento para verificar se os benefícios da metformina, para longevidade, valem a pena para a população como um todo.
A rapamicina tem ligações com a possibilidade de aumentar os níveis de glicose no sangue, que poderia ser neutralizado com o uso da metformina. Por outro lado, a metformina está associada a efeitos colaterais gastrointestinais em pessoas com certas variantes genéticas.
De forma geral, os estudos de longevidade estão evoluindo rápido e o jejum intermitente, com ingestão baixa/moderada de proteínas, ainda é uma das formas mais seguras de promover longevidade!
Referências:
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29190625/
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31316753/
- https://www.thelancet.com/journals/lanhl/article/PIIS2666-7568(23)00258-1/fulltext
- https://clinicaltrials.gov/study/NCT02874924?intr=Rapamycin&cond=Aging&rank=1
- https://www.npr.org/sections/health-shots/2024/04/22/1245872510/a-cheap-drug-may-slow-down-aging-a-study-will-determine-if-it-works